Quando Jonathan Azevedo recebeu o convite para interpretar Gilsinho na nova produção da Globoplay, O Jogo Que Mudou a História, ele sabia que o papel poderia mudar a forma como o público enxergava os protagonistas das favelas cariocas. A série, lançada em 13 de junho, traz à tona a origem das facções de tráfico no Rio de Janeiro, e Gilsinho tem a cara de um dos mais temidos líderes do crime organizado: José Carlos dos Reis Encina, conhecido como "Escadinha". O motivo? Mostrar que o bandido não é apenas um vilão de novela, mas uma figura que, para muitos, também exerce papel de protetor local.
Contexto da série e do crime organizado no Rio
O roteiro foi criado por José Júnior, fundador da AfroReggae e responsável por sucessos como A Divisão e Arcanjo Renegado. José Júnior decidiu mergulhar nas raízes do Comando Vermelho, Comando Vermelho, uma das primeiras facções nascidas nos anos 1970, quando o tráfico começou a se organizar nas favelas. A série usa nomes fictícios, mas tem a essência dos personagens reais, como o próprio "Escadinha", que ajudou a estruturar o esquema de tráfico antes de se tornar também um compositor de rap.
O cenário principal é a favela fictícia de Morro da Promessa, inspirada em Morro do Juramento, num dos bairros mais emblemáticos do Rio de Janeiro. Lá, o bandido é visto como "herói" porque oferece proteção contra a polícia e resolve conflitos internos. Essa dualidade – criminoso e protetor – é o que a série quer explorar, sem glamourizar a violência, mas contextualizando o clima de medo e esperança que marca a vida nas comunidades.
Jonathan Azevedo e a escolha do papel
Em entrevista ao Gshow, Jonathan contou que, inicialmente, estava hesitante em encarnar outro vilão. Ele já tinha vivido a experiência com Sabiá, em A Força do Querer, mas desta vez o convite veio de um "ícone", como ele mesmo descreveu José Júnior. "Quando ele me ligou para oferecer o papel, conversei com meu pai e minha mãe, que me contaram muitas histórias do bandido que inspirou o personagem. Aí falei: Nossa senhora, estou dentro!", revelou o ator, nascido e criado no Vidigal, outra favela onde o cotidiano gira em torno das mesmas dinâmicas de poder e solidariedade.
Para construir Gilsinho, Jonathan fez um trabalho de pesquisa que vai além de ler livros de história. Ele sentou com os pais, que cresceram ao lado das histórias de "Escadinha", e também conversou com amigos de infância que viviam a mesma realidade que seu personagem. "Para compor o Gilsinho, fui conversar com a minha mãe e com o meu pai, que conhecem a história que o inspirou. Foi uma pesquisa em que pude partir não do Jonathan, mas sim do lugar que eu, minha família e meus amigos vieram", explicou.
O ator ainda enfatizou que, embora compartilhe valores como a importância da família e o desejo de ajudar a comunidade, ele não compartilha a “parte do crime”. Esse contraste interno traz autenticidade ao papel e cria um debate sobre a fronteira entre sobrevivência e ilegalidade nas favelas.
Gilsinho: do Morro da Promessa ao "herói" local
Gilsinho, chefe da Morro da Promessa, encarna a figura do líder comunitário que resolve brigas, fornece água e até ajuda a pagar o passe da escola. O personagem se apoia em um código próprio: "não se mexe na minha família, não se mexe no meu morro". Essa postura o torna, aos olhos dos moradores, quase um Robin Hood urbano. A série, em 10 episódios de 52 a 68 minutos, mostra como esse tipo de liderança pode ser tanto um bastião contra a violência estatal quanto uma continuação do ciclo de drogas.
Ao assistir aos episódios, o público percebe que Gilsinho não age sozinho; ele tem um círculo de confiança formado por antigos amigos de rua, e suas decisões são constantemente mediatizadas pelos interesses do Comando Vermelho e da polícia. A narrativa, portanto, não simplifica a figura do bandido, mas a coloca num contexto sociopolítico complexo, onde a falta de políticas públicas eficazes cria vácuos que a criminalidade preenche.
Repercussão e críticas
A estreia foi acompanhada de debates acalorados nas redes sociais. Alguns críticos elogiaram a coragem de Globoplay em retratar a história do tráfico sem romantizar, enquanto outros temiam que a série pudesse glorificar figuras como "Escadinha". O jornalista Rafael Ferreira, da revista Folha de S.Paulo, comentou: "A série cumpre seu dever de lembrar que o crime tem raízes profundas na exclusão social, mas precisa garantir que a narrativa não se torne um entretenimento que perpetua estereótipos".
Para a comunidade do Vidigal, a participação de Jonathan trouxe um sentimento de orgulho. "Ver um filho da favela na tela grande, falando a nossa língua, nos dá esperança de que nossa história pode ser contada de forma mais humana", declarou a líder comunitária Maria da Silva, que acompanha o projeto desde o início.
Próximos passos e legado
Com a série em alta, a expectativa é que outras produções sigam o mesmo caminho, abordando temas difíceis com responsabilidade. O próprio José Júnior já vislumbra uma segunda temporada que possa aprofundar a transição das favelas para a era digital, mostrando como o tráfico se adaptou às novas tecnologias.
Para Jonathan, o papel pode ser um ponto de virada na carreira. Ele confirmou que já tem projetos em andamento, incluindo um filme que explora a cultura do rap nas favelas, tema que ele sente que ainda não foi totalmente explorado na TV mainstream. "Eu quero continuar contando histórias que mostrem a complexidade dos nossos bairros, sem cair na frescura", afirmou.
Frequently Asked Questions
Como a série retrata a relação entre o tráfico e a comunidade?
A produção mostra que, apesar da violência, líderes como Gilsinho são vistos como protetores porque preenchem lacunas deixadas pelo Estado, oferecendo assistência básica e segurança, ainda que dentro de um sistema criminoso.
Qual foi a motivação de Jonathan Azevedo para aceitar o papel?
Ele se sentiu atraído pelo convite de José Júnior, viu na história de "Escadinha" uma oportunidade de conectar sua própria vivência no Vidigal com o personagem, ressaltando valores de família e comunidade.
Quantos episódios tem a série e onde podem ser assistidos?
A série conta com 10 episódios, variando entre 52 e 68 minutos, e está disponível em 4K na plataforma de streaming Globoplay.
Qual o impacto cultural esperado da série?
A expectativa é que a série abra espaço para debates sobre exclusão social, inspire novas narrativas que abordem o Rio de forma mais realista e encoraje produções que deem voz a moradores de favelas.
O que os críticos dizem sobre a abordagem da série?
Alguns elogiam a coragem de retratar a história sem romantizar; outros alertam para o risco de criar mitos em torno de figuras criminosas. O consenso tende a ser que a série cumpre seu papel de informar, mas ainda precisa equilibrar entretenimento e responsabilidade.
3 Comentários
jefferson moreira
É realmente importante que a série mostre a complexidade dos líderes de comunidade, sem simplificar demais; ao mesmo tempo, devemos lembrar que o tráfico ainda causa sofrimento para muitas famílias, então a trama precisa equilibrar empatia e crítica.
Rodrigo Sampaio
E aí, galera! Essa produção chegou com tudo, trazendo um storytelling powerfull que mistura realidade crua e narrativa premium – tá sinistro demais, cara! A vibe da favela tá bem capturada, e ainda rola aquele hype de produção high‑end que a gente curte.
Bruna Matos
A série realmente mergulha nas sombras do Rio, trazendo à tona um personagem que divide opiniões como poucos.
Escadinha, retratado como Gilsinho, não é simplesmente um vilão, mas alguém que, para muitos, representa um bastião de proteção em meio ao caos.
Essa dualidade é explorada de forma quase teatral, como se estivéssemos assistindo a um drama épico da favela.
É impossível ignorar o peso histórico que essas figuras carregam, e a produção ousa colocar esse fardo nas costas de um ator nascido no Vidigal.
Jonathan Azevedo traz uma carga emocional que beira o exagero, mas que, ao mesmo tempo, revela a dor de quem cresce cercado por violência.
Os roteiristas parecem ter dedicado uma pesquisa meticulosa, conversando com os parentes dos verdadeiros líderes, o que dá à narrativa um ar de documentação viva.
Contudo, nem tudo é perfeito; em alguns momentos a série flerta com a romantização do crime, quase como se glorificasse a figura do bandido.
Esse risco é particularmente perigoso num país onde a desigualdade social ainda alimenta o recrutamento de jovens para o tráfico.
Ao mostrar o lado 'Robin Hood' do Escadinha, o programa pode inadvertidamente legitimar práticas que perpetuam o ciclo de violência.
É preciso, porém, reconhecer que a série também oferece uma visão crua da falta de políticas públicas eficazes, apontando culpabilidades que vão além dos criminosos.
A crítica social está presente, mas nem sempre tem o peso necessário para enfrentar o conforto complacente do espectador.
Ainda assim, a qualidade de produção, o elenco sólido e a trilha sonora que incorpora rap de rua são pontos que elevam o projeto.
A ambientação da favela fictícia de Morro da Promessa captura a estética visual da vida nas encostas cariocas, com detalhes que impressionam até os mais exigentes.
O debate que a série suscitou nas redes sociais prova que o tema ainda é tabu, mas que precisamos conversar sobre ele de forma aberta.
Em suma, 'O Jogo Que Mudou a História' é um convite para refletir sobre a complexidade humana que se esconde por trás de rótulos simplistas, e, apesar de seus deslizes, merece ser assistido com um olhar crítico.