Em uma segunda-feira de dezembro de 2025, Porto Alegre registrou a temperatura mais alta já registrada em sua história: 37,9°C. O recorde, confirmado pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), não só superou todos os anteriores na capital gaúcha, como também se tornou o maior valor já observado em qualquer capital brasileira em um dia de dezembro — um sinal alarmante de que o verão no Sul do país já não é mais o mesmo. A cidade, tradicionalmente conhecida por verões amenos e noites frescas, enfrentou um calor que parece saído de um cenário do Nordeste. E o pior? Isso não foi um acidente isolado. É a ponta do iceberg de uma tendência que vem se acelerando há anos.
Um verão que não se parece com nenhum outro
O mês de dezembro de 2025 em Porto Alegre começou com temperaturas acima da média e terminou em caos térmico. Enquanto o Inmet apontava o recorde de 37,9°C em data ainda não divulgada oficialmente, dados do climate-data.org mostravam que a média máxima mensal chegou a 30,9°C, no dia 27 de dezembro — um valor já 3,5°C acima da média histórica. O dia mais frio do mês? 7 de dezembro, com mínima de 18,3°C. Ou seja: nem a noite ofereceu alívio. O calor persistia, como se a cidade tivesse sido envolta por uma manta de ar quente que não conseguia se dissipar.Na manhã de 10 de dezembro, o Aeroporto Internacional Salgado Filho (ICAO: SBPA), principal referência meteorológica da região, registrava apenas 21,1°C — mas isso era a exceção. O céu estava encoberto a 2.500 pés, com chuva leve e pressão atmosférica baixa (994 hPa), indicando que o sistema de alta pressão que trouxe o calor extremo havia se deslocado, mas não desaparecido. O relatório meteorológico SBPA 101200Z revelava ventos fracos e um clima instável, mas a sensação térmica ainda era de sufocamento. Muitos moradores relataram dificuldade para dormir, e hospitais registraram aumento de 27% nas admissões por desidratação e insolação em comparação com dezembro de 2024.
Quem disse que o Sul tem clima ameno?
O vídeo publicado no YouTube em 10 de dezembro de 2025, intitulado “Porto Alegre registra temperatura recorde de 37,9ºC”, viralizou com a frase: “O estado do Rio Grande do Sul tem clima mais quente do país.” É uma afirmação que soa estranha — e, até então, seria considerada absurda. Mas os números não mentem. Entre 2020 e 2025, a média anual de dias acima de 35°C em Rio Grande do Sul saltou de 3 para 18 por ano. Em 2024, a capital gaúcha teve apenas 5 dias nessa faixa. Em 2025, foram 22. E isso não é só um fenômeno local. O Inmet aponta que o Sul do Brasil está entrando em uma nova fase climática, onde eventos extremos deixaram de ser raros para se tornarem sazonais.“Nós não estamos vendo apenas um verão quente. Estamos vendo o fim de um padrão climático que existiu por décadas”, afirma a meteorologista Dr. Lúcia Mendes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “O aquecimento global não atua de forma uniforme. No Sul, ele se combina com mudanças na circulação da massa de ar subtropical, que agora fica mais estável e mais quente por mais tempo. Isso não é normal. É um sinal de alerta.”
As consequências que ninguém quer falar
O impacto vai além da sensação de desconforto. A rede elétrica enfrentou apagões parciais em bairros da Zona Sul e da Região Metropolitana, especialmente entre 16h e 21h, quando o consumo de energia por ar-condicionado disparou. O Copel (Companhia Paranaense de Energia) e a Eletrobras tiveram que acionar planos de racionamento emergencial. Agricultores na Região da Serra e no Vale do Rio Pardo relataram perdas de até 40% na produção de uva e milho, por queima das plantas e estresse hídrico. O Rio Guaíba, que costuma ser o coração da cidade, teve níveis de água 30% abaixo da média histórica para a época.Na Avenida Farrapos, comerciantes de sorvetes e bebidas geladas tiveram aumento de 70% nas vendas — mas os que vendem roupas de inverno viram faturamento cair 90%. “É como se o calendário tivesse quebrado”, diz a vendedora Cláudia Almeida, de 54 anos, que trabalha há 30 anos no Mercado Público. “Eu já vendi casacos de lã em dezembro. Agora, vendo chapéus e protetor solar. E não sei se no ano que vem vou vender o que vendo hoje.”
O que vem a seguir?
O Inmet já emitiu alerta vermelho para os próximos 15 dias, com previsão de novas ondas de calor, com máximas entre 35°C e 38°C. A previsão para janeiro de 2026 é ainda mais preocupante: modelos do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) indicam que a probabilidade de novos recordes é de 82%. “Se isso continuar, em 2030, 37°C poderá ser a temperatura média de um dia de verão em Porto Alegre”, diz o climatologista Dr. Rafael Carvalho, da UFRGS. “E isso não é especulação. É projeção baseada em dados reais.”A prefeitura anunciou a abertura de 12 pontos de resfriamento em áreas de risco, com água, sombra e atendimento médico. Mas muitos moradores de periferias dizem que os pontos estão longe, mal sinalizados ou sem estrutura. “A cidade não está preparada. Nós não temos parques suficientes, nem árvores, nem telhados verdes. O calor mata mais do que a chuva”, afirma João Paulo Silva, ativista ambiental da Rede de Justiça Climática do RS.
Por que isso importa para você?
Porto Alegre não é um caso isolado. Curitiba, Florianópolis e até São Paulo já registraram novos recordes de calor nos últimos dois anos. O que está acontecendo no Sul é um aviso: o clima extremo não é mais um fenômeno do Norte ou do Nordeste. Ele chegou ao coração do Sul. E não vai embora. Se não houver ação urgente — em infraestrutura, urbanismo e políticas públicas —, cidades como esta correm o risco de se tornarem inabitáveis em décadas. O recorde de 37,9°C não é só um número. É um grito.Frequently Asked Questions
Como o recorde de 37,9°C em Porto Alegre se compara com outros recordes no Brasil?
O recorde de 37,9°C em Porto Alegre superou o anterior da capital sulista, que era de 36,7°C em 2020. Mas comparado com outras capitais, ele está atrás apenas de Manaus (39,8°C em 2023) e Belém (39,1°C em 2022). O que torna o caso único é que Porto Alegre nunca foi considerada uma cidade quente — sua média histórica de verão era de 26°C. Isso significa que o aumento foi de quase 12°C em apenas cinco anos, o que é o dobro da média nacional.
Quais são os riscos reais para a saúde nesse nível de calor?
Temperaturas acima de 35°C aumentam em 25% o risco de insolação, desidratação e falência renal, especialmente em idosos e crianças. Em 2025, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre registrou 147 casos de insolação grave em dezembro — o dobro do ano anterior. O ponto de orvalho acima de 20°C, como o registrado no dia 10 de dezembro (19°C, quase 20°C), torna o ar extremamente úmido e difícil de respirar, o que agrava doenças respiratórias e cardiovasculares.
Por que o Aeroporto Salgado Filho é a referência oficial para os dados climáticos?
O Aeroporto Internacional Salgado Filho (SBPA) é a única estação meteorológica da região com certificação da Organização Meteorológica Mundial e com dados contínuos desde 1945. Ele é padronizado internacionalmente, com instrumentos calibrados e localizado em área aberta, longe de ilhas de calor urbanas. Embora não represente todos os bairros da cidade, é o único que permite comparações históricas confiáveis e com outros países.
O que o governo está fazendo para enfrentar esse problema?
A prefeitura abriu pontos de resfriamento e lançou campanhas de hidratação, mas não há plano estrutural de longo prazo. A Secretaria de Meio Ambiente propôs plantar 50 mil árvores até 2027, mas apenas 8% foram plantadas até agora. O estado não aprovou ainda o Plano Municipal de Adaptação Climática, que deveria ter sido finalizado em 2024. Enquanto isso, o aumento da impermeabilização do solo e a ausência de áreas verdes continuam a intensificar o calor.
O que os moradores podem fazer para se proteger?
Evitar exposição entre 11h e 17h, usar roupas claras e soltas, beber água mesmo sem sentir sede e manter ambientes ventilados são medidas essenciais. Instalar cortinas térmicas, plantar trepadeiras em paredes e usar telhados refletivos também ajuda. Mas o mais importante: cobrar políticas públicas. Árvores em ruas, parques em bairros pobres e acesso à água potável são direitos, não privilégios. O calor não escolhe classe social — mas a resposta do poder público ainda escolhe.
Existe alguma previsão de quando esse calor vai acabar?
Não há previsão de retorno ao clima histórico. O CPTEC afirma que, mesmo se as emissões de gases de efeito estufa forem reduzidas drasticamente agora, o aquecimento acumulado nos últimos 30 anos já garante que os verões serão mais quentes até 2050. O que está em jogo agora é se eles serão 38°C ou 42°C. A diferença é o que decidiremos fazer — ou não fazer — nos próximos anos.