41 detentos provisórios votam em Taubaté no segundo turno das eleições 2024

Na manhã de domingo, 27 de outubro de 2024, 41 homens e mulheres detidos provisoriamente no Centro de Detenção Provisória 'Dr. Félix Nobre de Campos', em Taubaté, entraram em uma sala montada com urna eletrônica, cartões de votação e mesários vestindo coletes da Justiça Eleitoral. Eles não estavam em uma sala de aula nem em um centro comunitário — estavam atrás das grades. Mas, pela lei, tinham o mesmo direito que qualquer cidadão: escolher o próximo prefeito. O ato, silencioso e organizado, foi mais do que um procedimento técnico. Foi uma afirmação de cidadania em um lugar onde a liberdade foi retirada, mas não os direitos.

Por que presos provisórios podem votar?

A Constituição Federal, em seu artigo 15, inciso III, é clara: apenas quem foi condenado definitivamente perde o direito de votar. Detentos provisórios — aqueles ainda sem sentença final — mantêm todos os direitos políticos. Isso não é uma generosidade do sistema. É um princípio jurídico. A presunção de inocência é o alicerce da justiça penal brasileira. Enquanto não houver sentença transitada em julgado, mesmo quem está preso por suspeita de crime continua sendo, legalmente, um cidadão pleno. O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) reforça isso em todos os comunicados: não se trata de permissão, mas de obrigação constitucional.

No segundo turno das eleições municipais, 6.322 presos em todo o Brasil tinham direito de votar. No estado de São Paulo, 1.151 desses eleitores estavam em unidades prisionais — e 625 deles, segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), estavam em prisão provisória. Em Taubaté, o número foi de 41. Mas o que poucos sabem é que, mesmo com esse número abaixo do mínimo de 20 eleitores exigido pela Resolução TSE 23.736/2024, a seção foi mantida. Por quê? Porque, em casos como este, a Justiça Eleitoral opta por garantir o voto mesmo quando o número é baixo — e não apenas organiza justificativas, como muitos acreditam.

Como funciona uma seção eleitoral dentro de uma prisão?

As seções eleitorais em presídios não são improvisadas. Elas seguem protocolos rígidos. Os mesários são escolhidos entre servidores do Ministério Público, da SAP ou advogados indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), mas nunca agentes penitenciários que tenham contato direto com os detentos. Isso evita pressão ou influência. Em Taubaté, três mesários — dois da SAP e um da OAB — foram treinados por técnicos do TRE-SP. A urna foi transportada sob escolta, lacrada e instalada em uma sala isolada, com câmeras de segurança e fiscalização do Ministério Público.

Os presos votam em horário diferenciado: entre 10h e 16h, para evitar conflito com visitas e rotinas prisionais. A entrada de familiares foi liberada no mesmo horário — mas só para quem já tinha autorização prévia. Ninguém entrou com celular. Ninguém pôde filmar. O foco era garantir o sigilo do voto. Em 2023, o Anuário da Segurança Pública Brasileira revelou que 24,5% da população carcerária — cerca de 208 mil pessoas — eram presas provisórias. Em 2021, apenas 3% delas tinham a inscrição eleitoral regularizada. O avanço desde então é visível, mas ainda lento.

Um gesto simbólico com impacto real

Quando um detento vota, ele não está apenas escolhendo um prefeito. Ele está afirmando: "Eu ainda faço parte desta sociedade." É um ato de reconhecimento. E isso tem efeitos reais. Estudos da Universidade de São Paulo (USP) mostram que detentos que participam de processos eleitorais têm 30% menos reincidência após a liberação — não porque votar muda o passado, mas porque o ato de participar restaura a sensação de pertencimento. Em Taubaté, onde o candidato Sergio Victor (NOVO) venceu o segundo turno com 52% dos votos, o voto dos 41 detentos não alterou o resultado. Mas ele mudou algo mais profundo: a percepção de quem vive ali dentro.

A Fundação Casa, que cuida de adolescentes em medida socioeducativa, também participou do processo. Em São Paulo, Guarulhos e Franca, 456 jovens votaram. Um deles, de 17 anos, disse a um monitor: "Agora eu sinto que alguém me ouve. Mesmo aqui."

O que vem depois?

O que vem depois?

A diplomação dos eleitos, incluindo o novo prefeito de Taubaté, ocorrerá até 19 de dezembro de 2024, conforme calendário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas o trabalho da Justiça Eleitoral não termina aí. A próxima meta é aumentar o número de seções em unidades onde há menos de 20 eleitores — e não apenas registrar justificativas. O TRE-SP já anunciou que, em 2025, vai expandir o programa de cadastramento eleitoral dentro das prisões, com parcerias com o Ministério da Justiça e organizações de direitos humanos.

Hoje, o Brasil tem mais de 800 mil presos. Quase um quarto deles ainda não foi julgado. Eles não são invisíveis. Eles não são descartáveis. Eles têm o direito de escolher quem governa — mesmo que estejam atrás das grades. Em Taubaté, 41 pessoas fizeram isso. E o país inteiro deveria estar olhando.

Frequently Asked Questions

Por que presos provisórios têm direito a voto, mas condenados não?

A Constituição brasileira garante o voto a todos os cidadãos, exceto aqueles com condenação criminal transitada em julgado — ou seja, quando não há mais possibilidade de recurso. Presos provisórios ainda são considerados inocentes até prova em contrário, por isso mantêm seus direitos políticos. A suspensão só ocorre após sentença final, não por estar preso.

Como são escolhidos os mesários nas seções prisionais?

Os mesários são selecionados entre servidores do Ministério Público, da Secretaria de Administração Penitenciária ou advogados indicados pela OAB, mas nunca agentes penitenciários que tenham contato direto com os detentos. Isso evita qualquer forma de pressão ou influência. Em Taubaté, os três mesários eram dois da SAP e um da OAB, todos treinados pelo TRE-SP.

Por que em Taubaté só 41 detentos votaram, se há mais presos provisórios?

Nem todos os detentos provisórios têm inscrição eleitoral regularizada. Muitos não se cadastraram, não atualizaram o título ou não tinham documentos em dia. O processo de alistamento é complexo dentro das prisões, e a campanha de conscientização ainda é incipiente. Em 2021, apenas 3% dos presos provisórios tinham título de eleitor — números que melhoraram, mas ainda estão longe do ideal.

O voto dos presos influencia os resultados eleitorais?

Em números absolutos, raramente. Em Taubaté, os 41 votos não alteraram o resultado da eleição. Mas o impacto é simbólico e social. Estudos mostram que a participação eleitoral reduz a reincidência criminal. Quando o detento sente que ainda é parte da sociedade, ele se reconecta com regras e valores coletivos — o que pode mudar seu comportamento após a liberação.

O que será feito em 2025 para aumentar a participação de presos no voto?

O TRE-SP já anunciou que em 2025 ampliará o programa de cadastramento eleitoral em unidades prisionais, com parcerias do Ministério da Justiça e ONGs de direitos humanos. A ideia é levar equipes móveis para fazer inscrição, atualização e orientação sobre o voto dentro dos presídios — algo que hoje ainda é feito de forma esporádica e depende de iniciativas isoladas.

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